Ministra e primeira-dama entregam certificados do Patrimônio Agrícola Mundial a apanhadores de flores sempre-vivas de MG

Pela primeira vez, Brasil recebe esse reconhecimento internacional, concedido pela FAO

A ministra Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e a primeira-dama Michelle Bolsonaro participaram da cerimônia de reconhecimento do primeiro Patrimônio Agrícola Mundial concedido ao Brasil pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). No evento, realizado na sede do Ministério, foram entregues certificados às apanhadoras de sempre-vivas que integram o sistema tradicional agrícola dos apanhadores dessas flores na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais.

“É um momento muito especial para nosso país receber esse reconhecimento, pela primeira vez. Manter essa tradição é fundamental”, destacou Tereza Cristina durante a solenidade que contou com a presença de sete representantes de comunidades que adotam essas práticas agrícolas.

“Esse patrimônio foi construído nas montanhas de Minas Gerais, mais precisamente na Serra do Espinhaço, onde vivem e trabalham os apanhadores de sempre-vivas”, destacou.

Numa referência ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no último dia 8, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, destacou o papel da mulher rural na preservação das práticas de cultivo, respeito à natureza e na garantia da segurança alimentar de sua família e do entorno. Essa certificação, observou, é fruto do esforço de comunidades da região para manter viva a tradição de seus ancestrais. “Ao preservamos nossas tradições, estamos fortalecendo a cultura de nosso país”, afirmou ao desejar que essa conquista traga mais investimentos e empregos para a região.

A certificação reconhece patrimônios agrícolas desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais em diversas partes do mundo.  Com essa decisão da FAO, o Brasil é o 22º país onde estão localizados os 59 patrimônios agrícolas mundiais.

Apanhadoras

A ministra entregou o certificado a Maria de Fátima Alves, uma das coordenadoras da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex). A coordenadora ressaltou que os apanhadores de sempre-vivas representam comunidades tradicionais que detêm um modo de vida associado a um rico patrimônio agrícola e biocultural. “É preciso garantir o direito de uso da biodoversidade, das sementes crioulas, dos territórios tradicionais e das raças caipiras”. Ela disse que as comunidades esperam continuar contando com o apoio dos governos federal, estadual e municipal para manter o “sistema vivo”.

Ministra Tereza Cristina e a apanhadora de flores sempre-vivas, Maria de Fátima Alves – Foto: Antonio Araujo/Mapa

Jovita Gomes Correa, uma das apanhadoras de flores, recebeu o certificado das mãos da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Jovita é da comunidade quilombola de Mata dos Crioulos, em Diamantina, um dos municípios que integra o sistema. “Eu me sinto muito feliz e lembro dos meus antepassados. É uma vitória ganhar esse prêmio”, disse a apanhadora. Ela já se prepara para subir a serra nas próximas semanas, em companhia de alguns dos sete filhos vivos para iniciar mais uma temporada de colheita de sempre-vivas, atividade que ela hoje, aos 62 anos, iniciou ainda jovem, acompanhando seus pais.

Primeira-dama Michelle Bolsonaro e a apanhadora de flores sempre-vivas, Jovita Gomes Correa – Foto: Antonio Araujo/Mapa

Participaram ainda da solenidade, o secretário-executivo do Ministério, Marcos Montes; os prefeitos de Diamantina, Juscelino Brasiliano Roque Nascimento; de Buenópolis, Célio Santana; Presidente Kubitscheck, Lauro de Oliveira; além de secretários do Mapa e representantes de universidades parceiras e do governo de Minas Gerais.

O sistema agrícola da Serra do Espinhaço – praticado em seis comunidades nos municípios de Diamantina, Buenópolis e Presidente Kubitscheck formadas por camponesas e quilombolas – engloba a identidade cultural e a prática sociocultural de manejo e coleta das flores sempre-vivas, realizado há séculos naquela região.

Coordenação

A candidatura do projeto brasileiro foi encabeçada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que coordenou, por meio da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo, o encaminhamento do dossiê e do Plano de Conservação Dinâmica do Sistema, em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a FAO, para que o Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço concorresse ao título de Patrimônio Agrícola Mundial, o primeiro dessa categoria conquistado pelo Brasil.

De acordo com secretário de Agricultura Familiar e Cooperativismo do Mapa, Fernando Schwanke, a decisão da FAO coloca o Brasil no grupo de países que, reconhecidamente, “contribuem para conservação da agrobiodiversidade do planeta”.  Ele lembrou que o processo da candidatura foi construído por várias mãos ao longo de cerca de quatro anos. “Não foi um trabalho solitário”, destacando os esforços de vários órgãos do governo federal e de Minas Gerais. A estimativa do secretário é que possam existir no Brasil aproximadamente quatro dezenas de sistemas semelhantes ao de Minas Gerais, relacionados à manutenção da agrobiodiversidade do país.

Na avaliação do representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala, esses sistemas de patrimônio agrícola são caracterizados pela combinação de quatro elementos: biodiversidade, ecossistemas resilientes, conhecimento tradicional e uma valiosa herança cultural. “Que esse reconhecimento também sirva para dignificar o trabalho destas comunidades e melhorar as condições de vida destas famílias”, afirmou.  Por isso, disse, é preciso que esses apanhadores continuem trabalhando pela sustentabilidade desse modelo, possibilitando a transmissão, de geração em geração, da sua biodiversidade, cultura e identidade.

Representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala, e a apanhadora de sempre-vivas, Eliana de Todos os Santos Amorim Foto: Antonio Araujo/Mapa

O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais, em exercício, José Ricardo Ramos Roseno, reafirmou o compromisso do governo estadual com o Plano de Ação para a Conservação Dinâmica da região,  com foco na demanda de regularização fundiária das comunidades tradicionais, que está a cargo da secretaria.

Sistema

Os integrantes dessas comunidades, hoje em torno de 1,5 mil pessoas, transmitem seus conhecimentos no manejo das plantas e das atividades agrícolas, pastoris e extrativistas, cumprindo um importante papel de guardiãs da natureza. Ao mesmo tempo, garantem a autonomia alimentar por meio da produção agrícola de alimentos, como plantio de hortaliças, mandioca, arroz, entre outras culturas, e a criação de animais, com o pastoreio de gado curraleiro.

É um conjunto de práticas de convivência harmônica com o ambiente, mediante a preservação das tradições típicas da identidade cultural dessas comunidades, características que possibilitaram propor a candidatura do sistema mineiro à FAO. Com o reconhecimento, a próxima etapa é o desenvolvimento das ações do plano de conservação, o que irá contribuir para dar sustentação à continuidade do trabalho de preservação, transmissão dos conhecimentos e acesso a novos mercados.

Biodiversidade

As seis comunidades que tiveram seus sistemas agrícolas reconhecidos pela FAO são Lavras, Pé-de-Serra, Macacos e as comunidades quilombolas de Raiz, Mata dos Crioulos e Vargem do Inhaí – estão numa área de aproximadamente 100 mil hectares e chegam a manejar mais de 400 espécies de plantas já catalogadas, incluindo as alimentares e as medicinais, cujos conhecimentos e práticas únicas são desenvolvidas ao longo de gerações para manter os recursos genéticos e melhorar a agrobiodiversidade.

Em relação às sempre-vivas – termo popularizado em virtude das características das flores, que depois de colhidas e secas, conservam sua forma e coloração – há cerca de 90 espécies manejadas de flores, com diversos formatos e cores.

No período de abril a outubro, apanhadores e suas famílias sobem a serra para a coleta, em áreas de campos rupestres do Cerrado, conhecido como Savana brasileira, que ocorrem a 1,4 mil metros de altitude. É nesses campos na Serra do Espinhaço que se encontram 80% das espécies de flores sempre-vivas no Brasil, de acordo com dados do dossiê enviado à FAO.

Os apanhadores permanecem por lá durante semanas. Para eles, é um momento de encontro entre as comunidades, promovendo a socialização. Além das flores, são também coletados diversos tipos de folhas, frutos secos dentre outros produtos ornamentais, a depender da época do ano.

Comunidades guardiãs

Essas comunidades são consideradas guardiãs da biodiversidade, tanto de sementes agrícolas como de conhecimentos tradicionais associados às espécies silvestres conhecidas como sempre-vivas e, ainda, de outras plantas importantes na dieta e na medicina tradicional quilombola. Ainda hoje preservam modo de vida tradicional de seus descendentes indígenas, europeus e africanos, que viveram no Brasil colonial.

A peculiaridade da região é uma combinação de atividades agrícolas, de pastoreio e extrativismo que formam um sistema de manejo dinâmico da paisagem. Conhecimentos continuam sendo transmitidos entre gerações; as sementes são trocadas e o seu compartilhamento é conduzido pelas comunidades, contribuindo assim para conservar o recurso genético vegetal.

O manejo é baseado no conhecimento tradicional, estritamente relacionado aos ciclos naturais das espécies e à intensidade de coleta, a fim de garantir a renovação e manutenção de cada espécie.

De acordo com Codecex, a venda das flores é a principal geração de renda para as famílias, sendo que algumas delas, dos municípios de Presidente Kubitschek e Diamantina, já comercializam para os Programas de Compras Públicas (Programa Nacional de Alimentação Escolar –PNAE e o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA).

Do total produzido, as exportações ultrapassam 80% das espécies ornamentais comercializadas (flores, botões, ramagens, frutos secos), sendo que 55% destas são as sempre-vivas ou margaridinhas.

Os principais importadores são os Estados Unidos, Países Baixos, Espanha e Itália (absorvem quase 90% das exportações). No Brasil, o destino comercial das flores é, principalmente, São Paulo, seguido por Minas Gerais, Paraná, Distrito federal e Ceará, segundo a comissão.

Além das flores e outras espécies ornamentais, a renda é proveniente também do artesanato, comercialização de leite e queijo, produtos da agroindústria caseira (farinha de mandioca, de milho, rapadura, frutas e hortaliças (pequenas quantidades). A maioria da produção é para consumo das famílias.

Atualmente, em 15 municípios há comunidades apanhadores de flores na Serra do Espinhaço Meridional. A Codecex atua diretamente em oito e há demanda de mais quatro municípios.

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